Tradições da Bahia

ORIGEM E TRADIÇÃO DO CARURU DE SÃO COSME E SÃO DAMIÃO

Caruru de São Cosme em Texto de Waldir de Oliveira

 

Informou-nos o saudoso Edison Carneiro, em Candomblés da Rabia. Sabedor que era, como poucos, das coisas dessa terra, sobre os festejos em homenagem a São Cosme e São Damião, a cada 27 de setembro, em várias cidades baianas.

 

Disse-nos, então:

 

“Três vezes, em dias diversos, antes do sábado ou domingo escolhidos para a festa, saem os santos, dentro de uma caixa de papelão cheia de pétalas de rosa, a pedir esmolas, conduzidos por algumas crianças. Quase sempre se pede esmola publicamente, de porta em porta: – Missa pedida para São Cosme!”

 

E mais, que “Cosme e Damião – os Ibeji nagôs – são objeto de grande culto essencialmente doméstico, familiar, na Bahia” ;o que teria no certo, levado o nosso grande Jorge Amado a perguntar, depois de afirmar serem célebres os carurus de Cosme e Damião – “Qual a casa verdadeiramente baiana que não oferece seu caruru anual aos ibejis?.

 

Tudo isso vem de longe, muito longe. Bastando lembrar-nos do que disse a respeito do culto aos santos gêmeos, o velho Nina Rodrigues, em fins do século passado Ibeji, os Gêmeos, sob a invocação de São Cosme e São Damião, é, dentre as divindades africanas, uma das de Culto mais popular e disseminado nesta cidade”.

 

E acrescentou:

Sei de famílias brancas, da boa sociedade baiana, que festejam Cibei, oferecendo às duas pequenas imagens de São Cosme e São Damião numa  capela católica muita rica, num dos primeiros palacetes desta cidade.

Numa uma noite, n0 exercício da profissão médica, em bandeja de prata em pequena mesa de charão, as imagens dos santos gêmeos, tendo ao lado água em n pequenas quartinhas douradas e esquisitos manjares África.

 

Finalizou, então:

Em muitas outras casas, em que existem gêmeos, é de praxe no dia de São Cosme e São Damião darem-se grandes banquetes de iguarias da Costa”.

Cosme e Damião existiram de verdade. Eles nasceram gêmeos, em Egéia, na província romana da Cilícia, na Ásia Menor; em terras, hoje, integrantes da Turquia. Tornaram-se médicos, praticando a profissão escolhida sem receber qualquer pagamento. Convertidos ao cristianismo, morreram como mártires, em Citro, na Síria, durante a perseguição de Deocleciano, passando a sua vida e o seu martírio a serem contados, envoltos em muitas lendas e estórias de milagres por eles realizados. Afirmando-se, sem comprovação, haverem sido os seus corpos transportados para Roma, no pontificado do papa Félix N (526-93 que teria mandado construir para recebê-los, sobre as ruínas de um antigo templo pagão, uma igreja em sua homenagem, ainda hoje ali existente

Foi, contudo, a partir do século V, que o culto aos dois irmãos se expandiu sobre as terras em torno do Mediterrâneo, especialmente nas da Itália, França, Espanha e Portugal, donde chegou ao Brasil. Não sabemos, contudo, a partir de quando exatamente foram considerados patronos dos médicos cirurgiões. Seu culto chegou ao Brasil vindo de Portugal; e aqui, muito cedo, em 1530, o donatário Duarte Coelho consagrou aos dois santos, a igreja que mandou construir em Pernambuco nas imediações de Olinda, em Igaraçu, tida como a mais antiga do país.

Aconteceu que no curso do tempo, foram trazidos à força, na condição de escravos, para o Brasii, os iorubás. Com eles chegou da Nigéria, o culto aos Ibeji, aos gêmeos, pessoas que são vistas, em vários povos e regiðes, envolvidos em crenças e costumes mágicos dada sua dualidade, tida como sobrenatural. Aqui, então, eles reencontraram seus lbeji, mesmo com outros nomes, e puderam continuar a cultuá-los.

Havendo sido Nina Rodrigues, o primeiro pesquisador brasileiro a descrever esse descrever esse culto, por ele registrado, na Bahia, entre os africanos.

contando-nos como transcorria o caruru dos meninos:

 

Depois, chegou a vez de Edison Carneiro dele tratar, com mais detalhes, contando-nos como transcorria o caruru dos meninos: “No dia da festa, a família, amigos e aderentes assistem uma missa para os meninos, contratada de antemão, numa igreja qualquer. Uma criança – em geral, do sexo feminino – leva a imagem particular da família e a deposita no altar, para receber a benção do padre. Esta missa deve ser mandada celebrar todos os anos, a fim de não atrasar o devoto.

 

Em casa, desde a véspera, os fogões disponíveis estão ocupados no cozimento dos petiscos que constituem o caruru dos meninos caruru, feijão fradinho, abará, acarajé, galinha de xinxim, acaçá, banana da terra em azeite de dendê, milho branco, inhame, farofa de azeite de dendê com camarão, pipocas. De faca em punho, as mulheres cortam roletes de cana, pedaços de coco. Outras fazem aluá, uma garapa de cascas de abacaxi em infusão ou de gengibre com rapadura. De tudo isto, porém, só é indispensável o caruru. De todas essas comidas se deve pôr um pouco aos pés dos santos, antes que alguém se tenha servido delas, e mais, os pés e a cabeça da galinha”.

 

E mais:

 

“A família terá convidado especialmente todas as crianças da redondeza, pois quanto maior for o número delas, melhor. Os adultos podem comparecer também, mas só as Crianças são convidadas para a festa.

 

À tarde tem lugar a comezaina, que se inicia com o banquete, em comum da meninada, em meio a cânticos especiais que fazem parte de um verdadeiro ritual que acompanha, passo a passo, a comida dos santos”

 

 

Por aí seguiu o etnólogo baiano, a descrever-nos o caruru de São Cosme, exatamente como o viu, muitas vezes, nos anos 30, na Bahia, incluindo em sua narração, as cantigas que eram então entoadas. Devendo ainda lembrar-nos que teria aparecido, provavelmente pela primeira vez, no Brasil, no texto de Nina Rodrigues, o registro da palavra de origem africana – mabaças, hoje já dicionarizada como sinônimo de gêmeos.

Origem Caruru São Cosme e Damião

Não deveremos, contudo, em conclusão, deixar de registrar, dada a sua importância, a publicação recente de um precioso estudo sobre os santos gêmeos escrito por Vivaldo da Costa Lima, sob o título – Cosme e Damião. O culto dos santos gêmeos no Brasil E na África (Salvador Corrupio, 2005), esclarecedor das ligações existentes entre a sua prática no Brasil dos nossos dias e nas terras africanas donde nos foi trazida no passado.

 

Bem como assinalar haver o antropólogo Artur Ramos também se referido ao tema, acrescentando-lhe, ao estudá-lo, alguns detalhes, como, por exemplo, pela primeira vez no Brasil, o registro dos nomes que são dados pelos africanos, aos irmãos dos gêmeos, que os seguem, na ordem do nascimento, em terceiro e quarto lugares – Do-um (Dö-ue Alabá. E afinal registrar que, por vezes, o culto a São Cosme e São Damião, se confunde com o dos irmãos e mártires cristãos Crispim e Crispiniano, tidos como os padroeiros dos sapateiros, cuja festa se comemora um mês depois da de Cosme e Damião, a 25 de outubro.

 

BIBLIOGRAFIA:

 

CARNEIRO, Edison. Candomblés da Bahia. Publicações do Museu do Estado. 1948

  1. 56.

AMADO, Jorge. Bahia de todos os santos. Rio de Janeiro, Record, 180tora Nacional

RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. São Paulo: Compana

1945, p. 363. Companhia Editora Nacional.

CARNEIRO, Édison. Opus cit., pp. 56-57.

RAMOS, Artur. Introdução à Antropologia Brasileira. 1.° volume. RI do

Estudante do Brasil, 1951, p. 279;

COSTA LIMA, Vivaldo da. Cosme e Damião. O culto dos santos gêmeos no Brasil e na África. Salvador: Corrupio, 2005.

 

Fonte:  OLIVEIRA, Waldir Freitas Santos e festas de santos na Bahia. Salvador. Conselho Estadual de Cultura, 2005. 136 p.

 

 

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